Quando se atinge um nível de evolução, a tendência é que aquele progresso se desenvolva cada vez mais. Quanto mais avançamos, mais buscamos maneiras de aprimorar esse avanço. Na tecnologia e na comunicação é assim. Nem é preciso voltar muito no tempo para perceber o quanto essas duas áreas avançaram nas últimas décadas.
Coisas que 20 anos atrás ainda soavam como ficção científica já são hoje corriqueiras. E a rapidez dessas transformações só aumenta. Mas facilitar as coisas não significa que o caminho será sempre tranquilo e sem percalços. Cria-se uma solução aqui, mas essa solução vai levar a outro problema mais adiante, que por sua vez precisará ser ajustado.
Vivemos hoje em uma sociedade digital. Quer gostemos ou não, isso não vai regredir. Pelo contrário, vai seguir evoluindo. Se, por um lado, a vida moderna nos cerca de comodidades, por outro, essas mesmas facilidades ocasionam problemas novos. A (falta de) privacidade é uma dessas questões, sempre em pauta.
Difícil pensar no dia a dia hoje sem a presença da internet. Tudo está interligado. Somos monitorados o tempo todo, em maior ou menor grau. Uma simples compra em uma loja online é o suficiente para dar início ao nosso “rastreamento” virtual. As plataformas de streaming que assinamos, os filmes que escolhemos assistir, as fotos que curtimos nas redes sociais, as notícias que lemos, as pessoas que seguimos, as músicas que colocamos em nossa playlist, os sites dos quais costumamos comprar e por aí vai.
Não importa nosso campo de atuação ou suposto nível de relevância social. Não se pode mais prescindir do uso de computadores ou dispositivos conectados à internet. Atingimos um ponto em que isso é inevitável. Então como conviver com essa realidade tecnológica e transitar por ela sem que nos tornemos uma grande massa “robotizada”? Ou sem que sejamos guiados apenas por algoritmos?
Para começo de conversa, os algoritmos estão presentes em quase todos os momentos da vida moderna. No lazer, no trabalho, nas compras, nas relações sociais… Quando pesquisamos algo no Google, ou no site de alguma loja, ou procuramos uma rota pelo Waze, chamamos um Uber ou clicamos nas sugestões de vídeos do YouTube ou de músicas do Spotify. Até naquelas situações em que esse monitoramento parece imperceptível. Eu poderia passar o resto do texto citando exemplos de como tudo isso está presente na nossa rotina, praticamente o tempo todo.
O algoritmo, essa “entidade” invisível que dita nossos passos, é uma sequência de raciocínios, instruções ou operações. A finalidade dos algoritmos presentes nessas ferramentas digitais é entregar um serviço ou um conteúdo por meio desses aplicativos. Para isso, contam com a entrada e saída de informações.
Um exemplo bem comum: o algoritmo do Google. A conhecidíssima ferramenta de buscas procura na Internet resultados que atendam os parâmetros das buscas que fazemos online. E por que a tecnologia do Google revolucionou o mercado? Porque prioriza as páginas com informações mais relevantes.
Quando surgiu, no finalzinho dos anos 1990, o Google era o único a fazer isso. Esse era seu grande diferencial, já que as outras ferramentas de busca da época entregavam resultados genéricos. Muitas vezes nem tinham nada a ver com o que o usuário buscava.
Existem muitos outros algoritmos conhecidos, como os do Facebook, do Spotify, do YouTube, do Instagram, só para ficar nos exemplos mais populares. Eles estão por trás das organizações. São os algoritmos que sugerem a relevância e a frequência dos conteúdos que são oferecidos a você na timelines das redes sociais. O que você vê na sua página é ditado a partir de uma série de fatores: referências cruzadas, cálculo das coisas que, supostamente, podem ser mais interessantes para você, a partir dos seus próprios hábitos.
No caso do Spotify, o algoritmo analisa e combina as músicas e artistas que você ouve. Com isso, estabelece um padrão de comportamento, usado para sugerir novas faixas. Nada é feito de forma aleatória. O software do Spotify examina cada música para buscar sons parecidos, que você desconhecia ou que não buscaria sozinho. Esse mesmo tipo de sugestão específica, feita com a combinação dos conteúdos que você consome, também é usado pela Netflix, Amazon Prime, YouTube e outros.
Quando jogamos o uso de algoritmos para a área do marketing digital, por exemplo, é possível notar que os limites entre sugestão e indução se tornam muito tênues. O poder das redes sociais como ferramentas de análise de comportamento é inegável. E a base delas está nos algoritmos, por meio dos quais pode-se identificar os interesses e o comportamento do público.
Os algoritmos das redes sociais são um conjunto de dados e regras estabelecidas por cada uma delas, com particularidades e mecanismos que variam de uma rede para outra. Mas a ordem é sempre a mesma: os algoritmos são os responsáveis por determinar quais conteúdos e quais páginas aparecem primeiro para o público na linha do tempo de suas respectivas contas.
Por um lado, os algoritmos nos oferecem uma inocente “dica interessante” e criam a sensação de um compartilhamento de afinidades. Por outro, mostram-se, não raro, tendenciosos. Tanto que, na maioria das vezes, fica difícil fazer a distinção entre uma coisa e outra. Na maioria das vezes, aceita-se passivamente a indução do algoritmo.
Como não deixar que essa indução se torne uma imposição? Não é fácil desvincular nossas informações das redes. A hiperconexão, cada vez mais estimulada, não deixa muitas opções para “fugir” do algoritmo. Com todos os smartphones, redes sociais, lojas online, sites e endereços de e-mails interconectados, é muito difícil transitar pela internet sem deixar um rastro de informações e dados.
Mesmo que grande parte dos usuários da internet não estejam cientes, todas as informações com as quais eles inocentemente alimentam suas redes sociais se transformam em dados. E esses dados são usados sem que esses usuários tenham conhecimento de como isso é feito.
O algoritmo mantém seu grupinho. Muitas vezes acerta, mas também tem falhas e erros. Se você acessa sempre o mesmo tipo de conteúdo, as mesmas coisas dos mesmos sites, restringe suas possibilidades de descobertas. E ainda fica “rotulado” pelo algoritmo, além de estar menos sujeito a se deparar com conteúdos alternativos e menos divulgados, mas potencialmente interessantes.
Uma alternativa viável seria buscar maneiras de reduzir ou minimizar essa exposição de dados. Navegar no modo anônimo é uma dessas alternativas. Com este recurso, os dados, senhas, cookies e histórico de navegação do usuário não são armazenados. Ao fechar uma janela ou aba nessa opção anônima, toda a atividade feita pelo navegador é apagada. Com isso, suas ações durante a navegação têm menos chances de serem rastreadas por terceiros. Isso garante 100% de anonimato? Não, mas reduz muito a exposição dos dados e é uma forma eficiente de reduzir os anúncios indesejados.
Seguir coisas que não fazem parte do nosso dia a dia também é um exercício interessante. Coisas que não conhecemos bem, mas que queremos saber. Em música, por exemplo, criar mais perfis, colocar em prática a diversidade de nossos gostos, em vez de se confinar na “zona de conforto” – e controle – mantida pelo algoritmo. Um conforto cujo preço é a nossa privacidade.
Pensar em formas de afunilar nossa exposição a coisas que não sejam determinadas pelo algoritmo é essencial. Isso pode e deve ser driblado. Não apenas para o resguardo de nossas informações e privacidade, mas também para que sejamos conduzidos por nosso próprio desejo real e consciente, e não apenas dirigidos (ou induzidos) cegamente.