O avanço constante no uso de inteligência artificial em nosso dia a dia nos surpreende cada vez mais e a sua evolução rumo à superação da criatividade humana há tempos faz parte do nosso imaginário. Paralelamente aos ganhos obtidos pelo uso destas tecnologias, essa expectativa de evolução gera temores a respeito das ameaças de descontrole neste processo, a chamada singularidade tecnológica. Esses temores e expectativas permeiam o imaginário social, com projeções variando sempre entre um futuro no qual as máquinas se tornarão cada vez mais “inteligentes” para o melhoramento (ou dominação) dos seres humanos ou rumo a um futuro no qual os seres humanos e seus corpos serão hibridizados com as máquinas. Em ambas projeções, o encanto com as possibilidades do avanço tecnológico e o terror ante as novas ameaças provenientes deste avanço se convergem e convivem paralelamente.
Esta ideia de singularidade tecnológica baseia-se na suposição de que a inteligência artificial irá superar a inteligência humana pelo seu autodesenvolvimento, ao mesmo tempo em que a inteligência humana não conseguirá evoluir em uma capacidade tão elevada e tão rápido. A partir desta premissa, existem várias previsões que este evento de superação do humano pela máquina acontecerá em breve. Esta hipótese considera a mente humana como algo totalmente mapeável, replicável e manipulável por meio de sinais emitidos por nós, mesmo que inconscientemente e indetectáveis por outro ser humano, mas que seria explícito às máquinas devido à sua inerente e cada vez maior capacidade de machine learning.
Estas hipóteses denotam uma linha de pensamento que entende humanos e as máquinas não apenas como entes de categorias ontologicamente equivalentes, mas quase como oponentes em uma guerra pela sobrevivência. Estes exercícios de futurologia me soam como uma negação da metafísica por parte dos humanos, enquanto se inclinam perante um domínio de máquinas andróides. Diante delas, é como se sucumbíssemos a uma abdicação de nossa humanidade e a delegássemos às máquinas.
Filosoficamente, estas hipóteses denotam por parte do ser humano uma busca da construção de uma máquina de pensar já ligada a uma evolução para uma máquina de sentir e querer; finalizando seu avanço se tornando uma "máquina de viver". Talvez estes avanços sejam buscados para que a própria humanidade possa se esconder à sombra destas tecnologias geradas por ela mesma, liberada de todo perigo e todo sentimento de fraqueza, enquanto se vangloria de sua invenção.
Sabemos que nada acontece no mundo real antes que aconteça na literatura. Diante do nosso atual estado de negação da metafísica, das cada vez maiores dificuldades com nossa transcendência, do fracasso de nossas vontades racionais e valores frente aos nossos desejos, a ideia de um futuro distópico com o protagonismo assumido pelas máquinas várias vezes relatado e ilustrado, chega a realmente não parecer tão distante. Afinal, é muito difícil que simples documentos assinados por alguns líderes mundiais consigam frear a atual sanha belicosa e destemperada da humanidade. Quanto mais dispositivos de inteligência artificial nos escutam, simulam nossos pensamentos, exponenciam nossos ganhos financeiros e ao mesmo tempo esfriam nossos laços de convivência e empatia, mais se torna necessário olharmos de volta para nossas tradições e crenças, afinal, somente a tradição, a fé racional e o fortalecimento de nossos valores éticos conseguirão frear o ímpeto de domínio e busca desenfreada de poder que domina a humanidade. Caso contrário, o risco de chegarmos ao ponto das situações relatadas na extensa videografia sugerida pela Martha se torna cada vez mais factível em um futuro breve.